(Reserva 2011) Uxía: «Gravei no Brasil porque pretendia demonstrar que a nossa língua é mundial»

Uxía participará no éMundial 2012 numa mesa redonda sobre festivais da Lusofonia. Recuperamos a entrevista que lhe realizáramos com motivo do éMundial 2011. A obra de Uxía sempre se fundamentou...

Uxía participará no éMundial 2012 numa mesa redonda sobre festivais da Lusofonia. Recuperamos a entrevista que lhe realizáramos com motivo do éMundial 2011.

A obra de Uxía sempre se fundamentou em expressões musicais populares além de se converter em catalisadora de culturas, músicas e artistas diferentes. O espetáculo Cantos da Maré, do qual é o rosto visível, é boa amostra disso, trazendo as melhores vozes da Lusofonia para cantarem no berço da língua comum: na Galiza. Precisamente, na seqüência do éMundial, Uxía terá ocasiom de apresentar ao público compostelano o festival que anualmente decorre na cidade de Ponte Vedra desde 2003. Fará-o numha mesa redonda em que também estará Diana Mira, do festival Andanças e Manolo Soto, do Festival da Poesia do Condado.

P: No encontro éMundial vás falar do festival Cantos na Maré, Festival Internacional da Lusofonia, um projeto cultural pioneiro e com já um amplo percurso por trás. Como e quando surgiu a iniciativa?

R: Em 2003, a Concelharia de Cultura de Ponte Vedra, naquela altura com Luís Bará à frente, encomendou-me elaborar um modelo de festival que eu batizei como Cantos na Maré.

P: Quais fôrom os objetivos fundacionais?

R: Cantos na Maré – Festival Internacional da Lusofonia é um projeto cultural pioneiro no estado espanhol, que através da língua e da música traça um mapa comum entre os territórios da Lusofonia que compartem raízes. E sermos nós anfitriões tinha e tem um sentido. Como dizia o Carlos Santiago na segunda ediçom, som vozes que voltam à casa, que regressam ao porto, ao útero materno…

P: Cantos na Maré tem servido nom apenas para situar Galiza no mundo, mas também para evidenciar que com a nossa língua estamos no mundo?

R: Cantos na Maré evidencia que desde a língua galega se podem tender pontes que nos acheguem a outras culturas emergentes, à vez que situam a nossa cultura no mundo. É importante afiançá-las, que sejam sólidas e bem construídas, e eu acredito no contacto humano, na música como veículo ideal para construí-las com bom ‘concreto’ (cimento).

Já é umha cita obrigada e consolidada, mas o nosso compromisso é surpreender cada ano, lograr a fusom das vozes lusófonas numha só através da música, da amizade e da festa. O melhor modo de ativar e impulsionar esta irmandade nom tem segredo: som o conhecimento mútuo, as melodias, a língua comum e os ritmos nossos, que nos vam guiando para lograr que Cantos na Maré seja especial, mágico e inesquecível. Também tem sentido fundir os diversos géneros musicais e ritmos filhos da galeguia como se fossem da família: samba, morna, choro, alalá, rumba e baião aproveitando o legado musical que os galegos levaram além mar.

P: Está a cultura galega ‘ensimesmada’ ou ‘fechada sobre si própria’

como afirmava sem rubor um importante representante político?

R: Em absoluto. É das culturas que melhor dialoga com o mundo e que tem mais possibilidades reais de voar por riba das fronteiras porque já o fizo no passado e continuamos nesta senda.

P: Contudo, faltam mais iniciativas como Cantos na Maré? Deveria haver “Cantos na Maré” em todas as cidades e vilas do País?

R: Acho que a cultura lusófona nom se conhece e deveria ser itinerante. Nasceu com essa vontade e já viajou a Brasil. Só falta que se dinamize mais nas vilas e cidades galegas para que tenha maior visibilidade.

P: Um festival com umha longa trajetória por trás, desde 2003 nada menos, e polo qual passárom nom só grandes e reconhecidas vozes da música lusófona, mas também outros valores menos conhecidos. Como valorizas as sucessivas edições? Cumprírom o objetivo inicialmente fixado?

R: Eu creio que sim. A gente vai descobrindo novos valores e há algo que marcámos também como objetivo e que se foi cumprindo: o facto de que tenham surgido novos projetos ligados ao festival como é o caso de Aló Irmao! de Manecas Costa e Narf, um disco e espetáculo afro-galego que foi número 1 nas listas de RDP África, o qual demonstra que durante o festival deve haver tempo para o convívio, a festa, o intercâmbio… Há pouco tempo visitou-nos Ceumar, umha rainha da música brasileira que conheceu e se apaixonou com a Galiza no Cantos na Maré e agora regressa… Como todas e todos, descobrírom o imenso potencial da nossa música e cultura como aglutinadora e capaz de tomar a iniciativa de promover a uniom e a e proximidade.

P: O encontro éMundial pretende demonstrar, entre outras cousas, que graças à nossa língua, o galego, estamos no mundo. Desde quando é Uxía consciente desta evidência?

R: Já há muitos anos que sou consciente desta realidade, desde que comecei a viajar a Portugal e a conhecer a realidade lusófona na cidade de Lisboa, onde percebim que nós formávamos parte desta identidade. Participei em dous projetos musicais ligados a esta ideia: SONS DA FALA e SONS DA LUSOFONIA, com Carlos Martins, Vitorino Janita Salomé, Filipa Pais, Tito Paris, Sérgio Godinho, Filipe Mukenga e começou aí a inspiraçom para tentar algo similar na nossa terra.

[youtube]W-bKlkE0i4M[/youtube]

P: Falando agora um pouco de ti, acabas de publicar um novo disco,

Meu Canto. Com este trabalho celebras 25 anos de sucedida carreira, mas também de algum modo reivindicas esse caráter mundial do nosso idioma, porque a gravaçom te levou nem mais nem menos que… ao Brasil!

R: Gravei no Brasil como algo simbólico, para comunicar que temos muito em comum e que o gosto polo encontro, pola festa e polo convívio é próprio das duas culturas. Depois de fazer várias e alargadas turnês por este país, aproveitando essa cita anual pensei em gravar nos estúdios Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, e desfrutar da sua enorme experiência no formato de guitarra e voz que eu queria experimentar.

Também pretendia demonstrar que a nossa língua é mundial e que atravessa o coraçom deste país gigante com que partilhamos o nosso património oral e imaterial.

Os povos galego e brasileiro nom deixam de ser velhos amigos que se estám a (re)encontrar e eu sinto isto de umha maneira claríssima. Encontrei-me e gravei com amigos e amigas que nalgum caso têm um certo compromisso com esta realidade de uniom. Socorro Lira, que editou Cores do Atlántico, umha viagem à nossa lírica medieval; Chico César, outro da Paraíba, que animou e alentou os primeiros Cantos na Maré; Lenine, que participou do último e que já se sente galego; Júlio Santin, que pensou em nós para incluir-nos num Festival de viola caipira no interior do Brasil… e, sobretudo, a surpresa da descoberta que significa Galiza e a nossa música para eles.

P: Que significa o Brasil para ti?

R: É o país do futuro, com umha clara política de expansom e onde eu me sinto na casa. Tenho necessidade de comunicaçom permanente com o que acontece ali e com a minha gente brasilega —que já é um termo familiar aqui e ali—, e que é a fusom total entre as duas almas —a galega e a brasileira— numha comunhom que nunca antes tinha existido e que é possível polo conhecimento e amizade mútuos. O Brasil e a Galiza entendem-se de maneira natural, agora só temos que estreitar laços e enriquecermo-nos mutuamente. Dixérom-me que um poeta de Curitiba afirmou que «o que acontece com o Brasil e a Galiza é amor a primeira vista», e eu concordo.

P: Temos, talvez, demasiados tópicos sobre o Brasil? Depois de estar ali vê-se de umha forma diferente a como se pode ver desde a distância?

R: Brasil nom é apenas o país da caipirinha, das palmeiras e das praias. É muito mais, tem muito a ver connosco e é um país pioneiro nos temas de justiça social —mesmo com as suas enormes contradições e problemas—. Um país, isso sim, hedonista, que gosta da boa vida, que guarda umha imensa riqueza natural, e, como lim e pudem comprovar nesta última visita, acumula as maiores reservas de otimismo do planeta.